sexta-feira, 24 de novembro de 2006

****arte


Vincent Van Gogh
*Starry Night*

*Noite


Hoje eu lanço a minha voz ao vento, se bem que a noite
está em perfeita calmaria.
Acho que sei como se sentem os navegadores.
De qualquer maneira, lanço o que há para ser dito,
o que precisa sair de mim,
feito fel, se é que me entende,...que precisa ser destilado.
Aboli meus medos há algum tempo,
mas há uma correria aqui dentro de mim com relação a eles que chego a tropeçar nas tentativas todas.
Algumas, bem sei, restaram inúteis.
Outras, foram e são vencedoras.
Brilham e agem.
E é sobre essas que eu quero me derramar.
A cada cinco palavras sinto, agora, um pouco de vento.
Vem so sul, mas não me parece com aqueles que trazem chuva.
A noite está quente e meus medos dormem ali, na calçada.
Querem olhar para a Lua - é quarto crescente e eu ainda agradeço por não minguar.
Mais um dia.
São dez horas.
Tudo calmo.
Tudo bem.
*

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

****arte

Casario.Noite - A.D

*Feriado na Cidade*

(Curitiba, 12 de outubro de 2006)

Hoje amanheceu chovendo.
Aliás, choveu a noite toda, com força, intensamente.
E foi como lavar a cidade inteira e as almas aflitas que se perdem nas noites que antecedem feriados, finais de semana...dias assim, de ócio,
em que muito as aproveitam para se perderem e perderem o próprio tino.
O céu da cidade se abriu e choveu muito, muito.
Amanheceu a cidade com aquele cheiro de chuva que é, ao mesmo tempo, apaixonante e desagradável, porque misturado à poluição – inevitável, apesar de repugnante.
Levei minha filha à rodoviária e o alvoroço estava formado por lá.
Gente se desentendia e se entendia, de novo, naquele louco e alegre entra e sai das plataformas, das lanchonetes... tomei uma média e pão com manteiga para matar minha fome da primeira refeição do dia, indispensável.
Voltei depois dos abraços e beijos e das recomendações de sempre...com a sensação mesma de que ela, puxa!...cresceu.
É fato e imutável.
Pela rua, não muita gente a pé, como eu. Havia algumas daquelas almas às quais me referi...que provavelmente haviam passado a noite em desatino e permaneciam enlouquecidas,exaustas em seu vagar e parecendo verdadeiramente iludidas pela condição de serem melhores e perigosas e rebeldes...ah! rebeldes, hoje?
Não...não há mais bons rebeldes!
Tenho medo de gente que precisa de uma espécie de uniforme pra ser gente.
E, hoje, são assim...gangues uniformizadas para se fortalecerem.
Contra cidadãos comuns. Porque se sentem mais fortes.
Porque lutar por uma causa, isso é o que não fazem!

***

sábado, 11 de novembro de 2006

****arte

Matisse - Os jardins de Luxemburgo

Escrevedora


*


Alguém me disse: “Escreva cartas.Muitas cartas. Elas ajudarão você a passar esse tempo em que não poderá estar fazendo o que gostaria realmente.”
Na hora, ocorreu-me o pensamento – ou a impressão, ou, até mesmo a certeza – de que é exatamente isso o que faço ao longo deste caminho de quarenta e tantos anos. Eu escrevo cartas.
Escrevo, sim.
Não sei quem as receberá, um dia ou mesmo se as receberá, contudo eu as escrevo, sempre com uma fúria de querer mostrar meu tempo e o que me vai no íntimo e todas as coisas que vejo e tudo o que sou.
Eu escrevo cartas enquanto não me encaixo no mundo e enquanto luto para torna-lo um pouquinho, um pouquinho melhor. Escrevo cartas em pensamento, dentro dos ônibus, enquanto estou trabalhando e enquanto estou me sentindo fraca e inútil. Ora...! Todo mundo já se sentiu assim.
Eu conto sobre as manhãs e como me acordei com a neblina cobrindo tudo em volta do caminho que faço até o ponto de ônibus. Escrevo sobre as músicas que ouço e sobre a tristeza de meus amigos que acham que não sabem escrever cartas e pedem para que eu as escreva para eles e , assim, diga sobre a saudade que sentem, o amor que está explodindo no peito deles...a alegria que alguém lhes traz à vida... coisas assim.
Escrevo para dizer como foram os dias de abril, depois que ,em maio, já começou a esfriar e as pessoas já estão se recolhendo mais cedo às suas casas. (lares?)
Descrevo alguns lugares que amo e pessoas pelas quais me encanto; tento desesperadamente definir o cheiro da chuva sobre a terra molhada depois de ter estado ressequida por meses sem umidade sobre ela. Não há como definir, pois apenas se sente isso, mas, ainda assim, eu tento, porque a palavra me obriga a ficar e ficar dando voltas em torno dela ou de mãos dadas com ela, só para podermos estar em nossa ciranda...ciranda...
Pois é...eu sempre escrevi cartas.
Escrevi enquanto esperava pelo meu amor... o primeiro...aquele que me faria desabrochar de tão feliz e completa. Escrevi...escrevi...incansavelmente...nos dias e nas noites de verão, quando me sentia uma flor em botão. Foram páginas e mais páginas em que me debrucei, escrevendo as cartas mais pessoais...para ninguém e para todos...para o mundo, que fui descobrindo ser tão meu e tão pequeno, porquanto se repetiam os rostos diante de mim e nas páginas em que me debruçava, colorindo linhas e linhas e linhas.
Escrevo cartas para o futuro, como se as jogasse, dentro de garrafas, mar adentro, na esperança de que alguém com sensibilidade as encontre, um dia, e desejando que o mar tenha, então, a mesma beleza – ainda...-
Escrevo cartas para o passado, na esperança de que meu companheiro esteja lá, deleitando-se com prazeres antigos dos quais não faço mais parte e os quais já não me são possíveis.
É o que faço.
Escrevo cartas e as remeto ao tempo.
Escrevo, amiga. Cartas.
Acho mesmo que você as leu à medida que fui deslizando
a caneta pelas páginas do papel cor de creme – prefiro assim - .
Talvez você tenha sido e seja uma das poucas pessoas
que leram as baboseiras etéreas que saíram
e continuam saindo desta mente
e desta alma que flui e venta como nas manhãs
inquietas de junho quando a geada começa a derreter.
Sou uma escrevedora de cartas.
Passo o tempo escrevendo ao tempo.
Assim, feito testemunha de fatos, catástrofes e cenários e pessoas.
Hoje, escrevo mais sobre um espaço maior...
ele foi se ampliando, talvez porque eu tenha recebido
respostas remetidas de algum canto deste mundo doido e amado.
Sou o que fui colhendo através das palavras que escrevi.
Es-cre-ve-do-ra...
O termo me faz lembrar o verbo escavar...
Quem sabe?
Talvez seja o meu jeito de procurar – e encontrar alguns, até! – tesouros, arcas, monumentos...solos sagrados.
E, está certa você, minha amiga. Sigo mesmo seu conselho.
Porque escrever cartas me faz re*aprender a viver e fazer com que este tempo maluco seja mais leve e generoso da mesma forma como me ensina a ser um pouco melhor.