quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

*carta de quase outono

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Se alguém me dissesse que hoje já não é verão, eu acreditaria. Os dias têm sido cinzentos e têm um aspecto de despedida das festas, do sabor sensual do verão. É certo que as estações do ano não são mais tão definidas como já foram, um dia, mas, mesmo assim, alguma coisa dentro da gente avisa a passagem de uma para outra. Não crê nisso?
Ainda não é noite. Lá fora, o lusco-fusco de uma quinta-feira seguida às cinzas depois de um carnaval comum. Comum e sangrento, segundo os jornais. Eu ainda estremeço quando penso nisso - a violência ainda me assusta, ainda me entristece e jamais me parecerá banal.
O que me dói é a voracidade com que algumas pessoas se lançam a práticas terríveis em que demonstram a pouca importância que dão à própria vida.
Um gosto amargo me chega à boca e penso que toda a minha alma se vê assim - carecida de doçura.
Vai ver é por isso que busco você, nesta nova carta.
Nem sei se já recebeu - e leu- a última que enviei, pois não sei em que porto do mundo de mares tantos você está alojado, se agora é dia ou é noite, quase primavera ou quase outono...
Entretanto, buscar você parece ser o que mais me adoça a alma, nesses dias em que me demoro a reconhecer a dor de nossa raça, a mesma dor que parece tão grande quando o céu sobre nós, meu amigo. E eu o faço sem demora, quando a urgência me toma a mão que se lança à pena -quem dera fosse - para levar-lhe a minha letra carregada de nuanças femininas.
Há pouco eu o imaginei sentado à beira de um cais. A imagem me causou mais do que carinho, uma saudade imensa. Amigo do mar, poeta de tantas jornadas a navegar e a aportar quando bem se lhe dá. Ou, simplesmente, amigo meu.
Estou enviando uma fita de cor grená - você me disse, na última carta, que não conhecia a cor. Corri em busca de um exemplo e encontrei a fita de um cetim acariciante. Lembrei-me de que gosta de receber de mim as bobagens que mando, disse-me sentir fazendo parte de um imenso baú de recordações.
Espero que as cartas estejam dentro do seu. Porque são parte de nós e de nossa história.
Que esta fita acaricie seu rosto como a brisa dos seus finais de tarde junto ao cais.
Abraço você com meu nome, quando me despeço.
Até breve...
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sábado, 21 de fevereiro de 2009

* carta de sábado

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Aqui, a noite me abraça como quem deseja apenas que eu me aquiete. Não há vento, além do que meu circulador produz, fazendo circular o mesmo ar quente, desses que tornam a gente insone e inquieto.
Escrever uma carta poderia ser uma das últimas opções numa noite assim,principalmente sendo sábado de carnaval. Contudo, se o momo me chama, eu não ouço, apesar de as imagens da tevê desfilarem cores fugidias que me escapam de quase todo e emanam um samba bom, comprido...como se não fosse acabar jamais.
Prefiro escrever. Não sei onde você está, mas tavez olhe uma estrela através de seu telescópio e descubra, num repente, que a noite adiantada ganhou um brilho a mais no céu ou perdeu um outro. Tudo isso é tão incerto,mas possível, como tudo possível é.
Gostaria de ter uma varanda, agora, e me recordo de quando havia uma onde eu morava, há anos..anos... [seriam anos-luz? como se mede o tempo do coração?]
Ah...amigo... minhas palavras saem de mim como pipas lançadas no céu da noite.
Ainda assim, espero sinceramente que elas o alcancem onde quer que você esteja.
Varanda.
Gosto da palavra.
Gosto da ideia.
Varanda.
O instante do vento quente já é depois.
Agora mesmo o ar está mais fresco e a noite me abraça com mais carinho,
já que sinto meus músculos menos tensos.
Amanhã acordo cedo e sigo para um café da manhã no hotel onde meu irmão está hospedado.
Ele ainda insiste em ficar nos hotéis. Gosta da sensação de estar "em casa" mesmo estando fora dela. Cada um é cada um. Isso não me incomoda. Como não me incomda a decisão das pessoas acerca de si mesmas. Amo essa liberdade que nos é concedida.
O que nos cabe é tão imenso e há tanta responsabilidade nisso...!
Já escrevo "pelos cotovelos" e exagero na tagarelice. Você quase perde sua estrela de vista.
Sigo daqui.
Deixo meu carinho hoje ameno e já descansado.
Ouço seu "boa noite" e me calo sorrindo.
Vou.
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