sexta-feira, 15 de agosto de 2008

****arte


a última macieira, por E.B.

*carta de final de inverno

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Lá fora, o inverno parece caminhar sem vontade para longe.
Os ipês começam a fazer alguma festa por aqui. E eu, é claro, me lembro de você. Durante anos estivemos juntos nesta época do ano, o momento em que a primavra se insinua no hemisfério sul, de forma leve, quase imperceptível.
Era quando começávamos a fazer planos para o verão seguinte. Eu me lembro de que havia dentro de mim uma expectativa, uma festa nascendo, uma sensação tão boa quanto o cheiro das primeiras flores de setembro.
Era uma constante e eu sentia que jamais a vida correria de outra forma. Como a gente se sente definitiva! Nada disso...as coisas, a vida, as pessoas, os dias, as estações do ano, a natureza...tudo muda...há transformação em tudo, porque nada é estático. E a vida flui, a gente querendo ou não.
Claro...essa é uma lição - clichê: fala-se muito nisso, porém aprender,vivenciar...
essa já é uma outra história.
Geralmente, aprende-se da forma mais crua.
É quando a gente sente que o tempo corta a pele e a carne da gente feito uma adaga de prata. Majestosa e fria.Preciosa adaga. Precioso tempo É. Precioso o tempo que vai e se perde na ampulheta repleta de areia dos desertos humanos. Da mesma forma, precioso o tempo que se arrasta entre uma estação e outra, enquanto tudo se prepara para ser diferente. O difícil é voltar os olhos para aquele tempo ali adiante: uma janela predisposta a intempéries, aberta, frágil, invadida pelo vento, pela chuva, pelos raios de sol.
Pelos sonhos e desejos. O mais difícil, meu amigo, é sentir precioso este tempo: o que ainda vem.
Eu continuo aqui. Os dias serão azuis de um azul diferente assim que esta última frente fria se despedir. E esperarei ou não sua resposta. Não importa. As cartas existem por si só.
A.
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