quarta-feira, 28 de abril de 2010

*carta de notícia triste...


Esta carta vai para o porto das horas difíceis, meu amigo. Sei que é lá que deve estar, agora que os ventos e o mar se mostram agitados, com o ar violento dos novos tempos.
Quase inverno aqui, no hemisfério sul.
E não tenho notícias boas.
Minha mãe partiu do lado de cá na última quinta-feira, quando pelo céu chegava uma frente fria que desaguou exatamente na hora da despedida. E havia tanto barulho, entre os trovões nascidos dos raios que rasgavam o céu que quase não pude ouvir meu próprio pranto.
O mundo inteiro parecia gritar, enquanto a água caía pesadamente sobre telhados e calçamentos e as árvores dançavam dolorosamente, sacudidas por um vento rápido como se soluçassem, perdidas, exaustas.
Por um estranho instinto fiquei, na capela mortuária, a olhar pela vidraça toda aquela água que caía sobre a cidade que anoitecia. Era uma prisão em que eu entrava, à medida que minha mãe se despedia.
Afora a dor, desnecessário descrevê-la a você, viajante de tantos mares tortuosos e tempos tristes..., seguro com impaciência o lenço branco em que eu mesma havia depositado, horas antes,a derradeira lágrima dos olhos verdes, já cerrados. Uma lágrima que guardei e levarei comigo, em minhas gavetas, ao longo do tempo que me couber aqui.
Mansamente, então, ela se foi. Os ruídos e assombros ficaram por conta da natureza em volta, porque o corpo ali jazia, na paz de Deus que ela sempre evocou.
Meu amigo, há muito, ao longo do ano que fiquei sem lhe escrever, o que contar. Mas prefiro encerrar com apenas a notícia que, por ora, toma conta de mim, ainda, como um agasalho como que a  me proteger da realidade, do manso e necessário retorno a  ela.
Deixo você com as lembranças todas e, como sempre, desejo-lhe bons e mansos ventos.
O silêncio agora é atordoante e mergulho nele. É o que me cabe...
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