segunda-feira, 30 de junho de 2008

****arte

do blog de clara: "reticências"

Carta de me deixar doer* (música: a flame in avalon)

Ficaria por mais tempo lendo Alberto Caeiro para você.
Ficaria o tempo que você quisesse dedilhando as notas de palavras
que se jogam ao vento do tempo e se transformam e vida, pura e simplesmente.
Mas, a noite caiu tão rapida e pesadamente sobre nós que meus olhos já não puderem enxergar as letras distorcidas pelas sombras.
A Lua? Era Nova...a tudo beijava com sombras...bem sabe você, bem sei eu.
O que nos restou foi o silêncio sem as estrelas
e o arrepio que o vento do sul provocou em nossa pele
e fez calar em nossa alma.
Nada além do vento e de mim tocou você.
Nada além de você tocou em mim.
Não há porque remexer em certas lembranças,
mas essa me veio com força e não pude me negar a ela.
Assim como não me nego às páginas que agora tentam se derramar de mim, sob a luz amarela que torna tudo tão esmaecido e gasto.
Sou eu, sem pedir resposta.
Sou eu, feito a garrafa preenchida com folhas de papel, largada no mar.
Sou eu. Acredito que isso ainda baste.
Porque sigo. E minha palavra segue.
Somos barcos à vela...tudo é silêncio...tudo é mar e céu.
Tudo é imenso e cabe... cabe em nós.
Até talvez. É mais certo do que "até breve"
e eu subscrevo a letra que acaba sendo imensa e infinita.
A.
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domingo, 22 de junho de 2008

****arte


*entre paredes e sombra*, de Mariah

Carta ao amigo de sempre

Sim, eu ainda escrevo cartas e ainda as leio,
nos dias que se demoram como se o tempo não fosse este, o agora, mas o de antes.
Você se lembra?
As tardes eram longas a ponto de nos deleitarmos
com observações, conversas, leituras e tanto mais...!
Sim. É claro que você se lembra, caso contrário não mais receberia ou responderia
minhas cartas, escritas deste jeito tão antigo, como o tempo que se perdeu...
ou, como o tempo que ganhou outro tempo...outros formatos...alegorias...
Ontem estive na praça em que você pintou a paisagem esmaecida de uma árvore que já morria... eu me demorei ali, onde ficamos sentados por muitas horas, até que o vento de final de tarde e a luz já não fossem mais hospitaleiros.
Aconteceu o mesmo...apenas eu não estava a pintar...observava, antes, o local vazio que a árvore deixou...alguns pássaros por ali nem mesmo sabem que houve o tempo de uma árvore majestosa bem onde eles bicavam e bicavam, sem importarem-se com as horas.
Afinal, meu amigo....que são as horas?
Acredito que este inverno esteja por se tornar mais seco do que o do ano passado...as manhãs nascem raiadas...o céu tem aquele azul de que você tanto gosta. Tanto melhor...assim pode-se sair e caminhar mais à vontade e aquecer-se ao sol ameno, mas vibrante.
Não há muito mais a dizer. Escrevo mais para que saiba que ainda escrevo, sim.
E estarei a escrever até quando, quem sabe, minhas mãos estremeceram com a chegada oportuna - sempre- de nossa tia-velha. Um dia...deve bem lembrar-se, demos esse nome ao que chamam de fim desta vida.
Então, já sabe.
Estou aqui. Exatamente aqui. Sentada à mesma escrivaninha que recebe a luz da janela e o bom ar que vem do sul.
Remeterei esta para você tentando incluir meu abraço mais amigo, para que se aqueça ao reconhecer-me presente.
Porque, afinal, meu amigo...enquanto estivermos nos escrevendo cartas, seremos a prova viva de que existe - e como existe - um bom motivo para se ter afeto.
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