domingo, 27 de janeiro de 2013

*Carta de uma dor


Minhas cartas talvez não cheguem  em tempo certo. Talvez precisem percorrer por mais dias os mares todos e as estradas empoeiradas.

Mesmo assim, eu as escrevo com o mesmo e antigo ímpeto: minha mocidade disse adeus, por fim.

E eu vejo no espelho um rosto que não me assusta, pelo qual tenho um profundo respeito.

Por isso me lembrei de nossas conversas diante do antigo farol. Sei que você se lembra também.

A madrugada nos pegava cansados mas felizes, repletos de ideias e sonhos tantos que nem éramos apenas nós, mas uma multidão.

Hoje, amigo, não tendo com quem dividir a paisagem vista do farol, minha solidão entristece e chora algumas vezes. E olho para o céu buscando o mesmo infinito onde, um dia, encontrei meus sonhos

e a alegria de deixar brotar uma vida de mim.

Eles não esão lá. Estão, talvez, no fundo do mar que o farol ilumina e até tenha se transformado em corais.

O fato é que não me pertencem e os que estão por perto me torcem o nariz.

Eles sim, acham-me envelhecida e reviram os olhos quando digo qualquer coisa que possa ter o tom

de ensinamento.

Coisas da vida, diria você, com seus olhos graves e parados nos meus.

Coisas da vida, concordaria eu, tomando sua mão para me lembrar que tenho alma

que me responde. Onde quer que esteja.

..

Espero que o tempo lhe esteja sendo ameno.

Que a vida tenha um belo sorriso nos lábios ao encontrá-lo, todas as manhãs.

E que, quando os deuses permitirem, encontre comigo

nas praias de areia branca e fria.

...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

***carta de um dia de chuva e frio




Enfim, o inverno está para chegar. Isto está bem mais evidente por esses dias. 
Tenho aqui ao meu lado uma xícara de café com creme e me delicio ouvindo um piano em jazz. É delicioso o frio para ensimesmar-se e se acarinhar, não é?
Já não sei em que hemisfério você está, por isso, se no momento em que ler esta carta estiver sentindo calor, nem se importe com meus contornos invernais. E com a minha provável falta de assunto.
Li algo, há pouco, sobre o pessimismo. Creio ter sido de Einstein. Que o pessimismo já se trata de um começo errado - é isso?
Não sei ao certo. Apenas quero comentar que me lembrei de uma conversa que tivemos em um dia distante, na gruta da Lapa. Havia, então, um cheiro bom daquele verde úmido que nos cercava e era...começo de outono.
Falamos na ocasião sobre tantas coisas, mas, sobretudo, sobre o pessimismo.
Eu manifestei minha preocupação sobre algumas coisas que, intuía, iriam resultar de alguma atitude minha.
Você me deu uma aula a respeito de como não deveria me pré  ocupar de algo cuja certeza nem se delineava ainda. Estranho. Claro que não foi a primeira vez que alguém me falou sobre o mal que há em ser pessimista, em tentar adivinhar o que há de vir. Contudo, de todas as vezes que alguém,  incluindo meus pais, falou-me a respeito,aquela entrou na alma de uma forma decidida, definitiva.
Ah...a importância de termos amigos que nos chamam para dançar as dificuldades mais enraizadas!
Tanto que, mais uma vez, ao ler algo sobre o pessimismo, imediatamente minha mente foi remetida àquele dia, amigo.
Então, como não mais me apego a preocupações inúteis e faço disso uma marca a mais em meu sorriso, lembrei-me de escrever mais uma carta. Porque havia muito eu não me dedicava a fazê-lo, para você.
Pois bem, que ela o encontre risonho. Aquele riso seu que ilumina a sala de estar de qualquer casa ou o mais mal iluminado pub inglês.
E que eu possa estar em meio a estas letras, quem sabe abraçando mais apertado a saudade que me aquece mais ou menos como a xícara de café com creme que acabei de tomar.
Sorrio. Já me despeço.
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sábado, 14 de agosto de 2010

*carta de um novo sábado


Ainda assim, os sábados parecem ser sempre os mesmos, por aqui. O que muda, são as estações, de fato.
Hoje, é um sábado de inverno.É noite de sábado de inverno, do mês de agosto-desgosto [?]
E, é claro, muda também a imagem que me olha, do espelho, enquanto penteio os cabelos.
Eu me lembro de você, meu amigo, e sorrio.
Um sorriso sem memória. Afinal, há quanto tempo tem sido o destinatário de minhas cartas e, ao mesmo tempo, o remetente de notícias breves, porém valiosas?
Não, não sei. E não há por que saber, tentar buscar o fio da meada, puxar até encontrar o final [começo]: o que vale é a constância de tudo. Principalmente, das palavras que cruzam céus e oceanos e caem, mornas ainda, em meu colo e no seu.
Estou com algumas aqui, diante de mim, na verdade. Palavras.
Elas têm ritmo, cor,som, cheiro e até sabor, para mim.
Para mim e para outras tantas pessoas que se apaixonam, de forma inexorável, por elas.
Algumas estão aqui, portanto. Jazem em meu colo, quietas, mansas, mas ainda mornas.
Vêm de algum lugar chamado Aprilia e eu gosto do som. Repito várias vezes, em voz alta para ouvir. Aprilia...Aprilia...
Leio que é na região do Lácio, Itália. [e por falar em palavras...você escreveu justamente da região de onde a fluência das palavras que trocamos saiu...]
Aprilia, Aprilia...
Reconheço na maneira como escreve que estava, na ocasião, gostando pouco do lugar.
Isso não é comum em você.
Não é comum que não ame cada passo que dá, cada gole sorvido, cada cheiro sentido.
Talvez seja apenas o meu olhar percorrendo suas palavras escritas na letra bonita e apressada.
Talvez seja, apenas, a inquietude que me consome, às vezes, em pensar que todos podemos estar sujeitos a amar menos a vida em determinados momentos.
Mas...não gostar da vida em alguns pontos dela não significa que não a amemos e que estejamos desistindo dela.
É amigo...há muito tempo, tirei de mim o direito de sentir algumas coisas...
mas só me dou conta disso agora...
Sábado à noite.
Tão igual, tão mesmo. E, tão sábado em todos os poros da noite fria!
E eu, eu escrevo sobre os desatinos de minha mente/alma.
Porque você irá ler e pensar, comigo, nas agruras que, sabemos bem, nos enredou.
E que outras poderão ainda vir.
Compartilhar tem sido meu apego.
Receba um sopro mais aliviado de mim.
E as luzes gravadas em minhas retinas: da cidade que já foi sua.
.
Eu fico. As palavras vão.
Não...eu vou...as palavras é que ficam.
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sexta-feira, 7 de maio de 2010

* carta de mais um dia


Assim  é que o tempo me encontra, amigo. Um dia e mais um dia e outro dia, no carrossel de minhas limitadas superações. Tenho lido e tenho escrito e,quando saio às ruas, elas me parecem ter um colorido diferente.Por falar nisso, somente ontem me dei conta de que a árvore de 'espírito santo' finalmente floresceu.
E já não era sem tempo. Da janela costumo olhar para ela.
Gosto do contraste entre o verde escuro e o vermelho vivo das flores, aveludadas, fortes.
 Eu me lembrei de você. Há quanto tempo não a vemos juntos?
Bobagem. Juntos estamos e estaremos e este fato já é árvore a florescer continuamente.
Gostaria de tomar um pouco mais de meu tempo para a leitura. Há, ali na estante, bem uma dezena de livros à espera - devo dar-me o tempo.  Pois é assim que mais viajo,não é? Desde há muito.
Desde quando descobri que bela caravela é cada livro....
...

Não sei se estará chovendo ainda quando amanhecer.
O fato é que os dias já estão mais curtos e o vento mais frio.
Sei da proximidade do inverno e eu o desejo muito,
 para que eu possa brincar de me aquecer junto ao fogo e envolta por uma manta.
É delicioso o aconchego.
É mágica a luz.
Neste momento, chove o bastante para queo barulho me envolva, envolva a cidade, que ainda chora você.
Isso é real.
...
Quando voltar, pode ser que não encontre um ou dois amigos. Soube de fonte segura que pensam, alguns, em mudar-se para "além dos temporais". Haverá mesmo um rochedo seguro por lá?
...
Por um segundo eu o imaginei num alto rochedo, num lugar muito parecido com a Cornualha. É lá que você está? Gostaria de saber. Por vezes, gostaria - e muito- de estar onde você está.
É quando maldigo nossos caminhos tão paralelos, desecontrados...

Mais um dia, meu amigo. E, quando me deitar, pensarei um pouco mais em seus olhos escuros.
Mais um dia que preenchi de ausências e presenças. Do que há e do que já foi.
Fecho os olhos e sinto o vento em meus cabelos ao mesmo tempo em que devora meu rosto.
Estou no alto do rochedo com você. O mar, lá embaixo, grita, cantando para tempo algum.

Escreva-me um poema. Eu o terei comigo, grudado à alma e à pele.

Até breve, amigo.

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****arte


robert hope

quarta-feira, 28 de abril de 2010

*carta de notícia triste...


Esta carta vai para o porto das horas difíceis, meu amigo. Sei que é lá que deve estar, agora que os ventos e o mar se mostram agitados, com o ar violento dos novos tempos.
Quase inverno aqui, no hemisfério sul.
E não tenho notícias boas.
Minha mãe partiu do lado de cá na última quinta-feira, quando pelo céu chegava uma frente fria que desaguou exatamente na hora da despedida. E havia tanto barulho, entre os trovões nascidos dos raios que rasgavam o céu que quase não pude ouvir meu próprio pranto.
O mundo inteiro parecia gritar, enquanto a água caía pesadamente sobre telhados e calçamentos e as árvores dançavam dolorosamente, sacudidas por um vento rápido como se soluçassem, perdidas, exaustas.
Por um estranho instinto fiquei, na capela mortuária, a olhar pela vidraça toda aquela água que caía sobre a cidade que anoitecia. Era uma prisão em que eu entrava, à medida que minha mãe se despedia.
Afora a dor, desnecessário descrevê-la a você, viajante de tantos mares tortuosos e tempos tristes..., seguro com impaciência o lenço branco em que eu mesma havia depositado, horas antes,a derradeira lágrima dos olhos verdes, já cerrados. Uma lágrima que guardei e levarei comigo, em minhas gavetas, ao longo do tempo que me couber aqui.
Mansamente, então, ela se foi. Os ruídos e assombros ficaram por conta da natureza em volta, porque o corpo ali jazia, na paz de Deus que ela sempre evocou.
Meu amigo, há muito, ao longo do ano que fiquei sem lhe escrever, o que contar. Mas prefiro encerrar com apenas a notícia que, por ora, toma conta de mim, ainda, como um agasalho como que a  me proteger da realidade, do manso e necessário retorno a  ela.
Deixo você com as lembranças todas e, como sempre, desejo-lhe bons e mansos ventos.
O silêncio agora é atordoante e mergulho nele. É o que me cabe...
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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

*carta de quase outono

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Se alguém me dissesse que hoje já não é verão, eu acreditaria. Os dias têm sido cinzentos e têm um aspecto de despedida das festas, do sabor sensual do verão. É certo que as estações do ano não são mais tão definidas como já foram, um dia, mas, mesmo assim, alguma coisa dentro da gente avisa a passagem de uma para outra. Não crê nisso?
Ainda não é noite. Lá fora, o lusco-fusco de uma quinta-feira seguida às cinzas depois de um carnaval comum. Comum e sangrento, segundo os jornais. Eu ainda estremeço quando penso nisso - a violência ainda me assusta, ainda me entristece e jamais me parecerá banal.
O que me dói é a voracidade com que algumas pessoas se lançam a práticas terríveis em que demonstram a pouca importância que dão à própria vida.
Um gosto amargo me chega à boca e penso que toda a minha alma se vê assim - carecida de doçura.
Vai ver é por isso que busco você, nesta nova carta.
Nem sei se já recebeu - e leu- a última que enviei, pois não sei em que porto do mundo de mares tantos você está alojado, se agora é dia ou é noite, quase primavera ou quase outono...
Entretanto, buscar você parece ser o que mais me adoça a alma, nesses dias em que me demoro a reconhecer a dor de nossa raça, a mesma dor que parece tão grande quando o céu sobre nós, meu amigo. E eu o faço sem demora, quando a urgência me toma a mão que se lança à pena -quem dera fosse - para levar-lhe a minha letra carregada de nuanças femininas.
Há pouco eu o imaginei sentado à beira de um cais. A imagem me causou mais do que carinho, uma saudade imensa. Amigo do mar, poeta de tantas jornadas a navegar e a aportar quando bem se lhe dá. Ou, simplesmente, amigo meu.
Estou enviando uma fita de cor grená - você me disse, na última carta, que não conhecia a cor. Corri em busca de um exemplo e encontrei a fita de um cetim acariciante. Lembrei-me de que gosta de receber de mim as bobagens que mando, disse-me sentir fazendo parte de um imenso baú de recordações.
Espero que as cartas estejam dentro do seu. Porque são parte de nós e de nossa história.
Que esta fita acaricie seu rosto como a brisa dos seus finais de tarde junto ao cais.
Abraço você com meu nome, quando me despeço.
Até breve...
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